
A julgar pelo comportamento que toda a grande mídia - a "mídia gorda" e a "mídia fofa" - exerce no âmbito sócio-cultural do Brasil, a conclusão que se tem é que, segundo seus executivos e gerentes, a Era Geisel representou, para eles, os "verdadeiros Anos Dourados" do país.
Nem de longe os elementos relacionados aos "Anos Dourados" oficiais - a Era Kubitschek - são defendidos ou revalorizados pela mídia. Empregadas domésticas ouvindo samba de gafieira? Para a mídia, nem pensar!
É só notar o âmbito da cultura e do entretenimento trabalhado pelos diversos veículos da grande mídia que se verá que o quadro sócio-cultural da Era Geisel é tomado como referencial.
Naquela época, passado o impacto do Tropicalismo e quando até mesmo a geração mais recente da MPB (Ivan Lins, Novos Baianos, Belchior, Gonzaguinha) se tornou relativamente rotineira no mercado fonográfico, o contexto político-econômico prometia uma democracia relativa, onde as elites e os detentores de poder teriam privilégio no quadro decisório e na prevalência de valores e interesses.
Nessa época, enquanto a MPB autêntica, que já não dialogava com a sociedade por causa da linguagem metafórica - que no entanto era uma necessidade natural de expressão de seus artistas - , tornou-se praticamente um patrimônio da classe média, a música brega, lançada pelo poder latifundiário dominante em rádios e redes de atacado e varejo, crescia no gosto popular.
Nessa época (1974-1979), as elites que, uma década antes, faziam passeatas religiosas para pedir a deposição do presidente João Goulart, permitiram que o chamado "povão" consumisse mensagens de conteúdo malicioso no chamado entretenimento brega. É a partir dessa época que o humorismo televisivo "popular" juntava os velhos clichês radiofônicos com referenciais pornográficos ou depreciativos. Ou era isso ou eram os camponeses invadindo Brasília e ameaçando os privilégios dos grandes proprietários de terras.
Por isso mesmo é que a música brega, assim como todos os seus derivativos atuais, se propagou por causa do patrocínio explícito, embora não assumido no discurso, dos grandes proprietários de terras e de todos os empresários aliados, das redes de supermercados às redes de televisão.
Entre o êxito dos ídolos cafonas do "milagre brasileiro" - Dom & Ravel, Benito di Paula e os já então veteranos Odair José e Waldick Soriano - e a ascensão de ídolos emergentes do período Geisel - Gretchen, Sidney Magal, Nahim, Sílvio Brito, Sérgio Mallandro - , a música cafona tornou-se, para as elites, um ótimo mercado, que permite aos detentores do poder baixo investimento em "artistas" submissos e de talento duvidoso, mas com forte apelo popular. E, sobretudo, que garantam enriquecimento maior para os investidores desse universo musical.
Por isso mesmo é que, desde a Era Collor, a grande mídia atual, mesmo em aparente contexto democrático, continua empurrando a música brega nas suas variantes. É porque, durante a Era Geisel, os empresários e investidores diretos e indiretos da música brega faturaram muito. Muitos até hoje estão no poderio político-econômico, e por isso mesmo não interessa a eles permitir que o povo tenha uma cultura musical de qualidade.
Por isso mesmo é que hoje o contexto da MPB autêntica contra o brega-popularesco é o mesmo de 35 anos atrás. Enquanto a classe média tem pleno acesso à MPB autêntica, o grande público - e isso inclui também a classe média baixa - é obrigado a consumir os ídolos popularescos que aparecem na mídia. Com muito
marketing e muita persuasão, as elites conseguem êxito nessa manobra.
Atualmente, a situação é até pior do que hoje, quando a MPB autêntica começa a desaparecer das rádios e o
marketing obsessivo dos ídolos popularescos começa a invadir redutos de público outrora qualificado, como as universidades, as rádios e TVs educativas e alguns eventos considerados de vanguarda cultural.
É o
massacre cultural sem precedentes de que nos falou Mauro Dias há 10 anos.